quarta-feira, 19 de maio de 2010

Eu vi !


“Garoto conhece garota”. Esse é o mote de um número incalculável de comédias românticas, das fenomenais às imbecis. O que pega em tais histórias é que, quase que invariavelmente, os protagonistas destas são almas gêmeas que logo perceberão que foram feitos um para o outro e viverão felizes para sempre.

Vamos e convenhamos, as chances disso acontecer na vida real são as mesmas de ganhar na Mega Sena duas vezes seguidas. Dai veio “500 Dias Com Ela”, fita despretensiosa, roteirizada por desconhecidos e dirigida por um novato que, mesmo mantendo a fé no romance idealizado, mostra uma história mais pé-no-chão.

Tom Hansen é o nosso personagem principal. Vivido por Joseph Gordon-Levitt, Tom é um romântico arquiteto que estacionou na vida, abandonando sua vocação por não se achar bom o suficiente e parado há quatro anos em uma agência de cartões, encontrando modos de outros expressarem seus sentimentos em poucas linhas. Certo dia, o jovem conhece Summer Finn (Zooey Deschanel), a descolada nova assistente de seu chefe que, simplesmente, não acredita em amor.

Com uma “ajudinha” de seus amigos, Tom deslancha um relacionamento com Summer, que acaba terminando em desastre. Durante os 500 dias que sua ligação com a garota durou, o rapaz passa por uma verdadeira montanha-russa emocional, que acompanhamos durante o filme. Aí é que entra o diferencial do longa: não é sobre o romance de Tom e Summer, mas sim sobre os sentimentos dele durante esse período de um pouco mais de um ano.

Como acompanhamos o filme pelo ponto-de-vista de Tom, conhecemos Summer pelos olhos idealizados dele, o que joga boa parte da responsabilidade em fazer o filme crível nos ombros da intérprete da garota. Afinal, se não nos apaixonarmos por ela, toda a película vai abaixo. Nesse sentido, Zooey Deschanel foi uma escolha perfeita. Longe de ser uma bonequinha de luxo hollywoodiana, a atriz é linda de um modo mais “comum”, embora seus olhos sejam simplesmente hipnotizantes.

Além disso, a personalidade direta e extrovertida de Summer casou muito bem com a atriz, lembrando levemente sua personagem em “Quase Famosos”. A soma desses fatores nos faz compreender porque Tom a viu como “a sua escolhida” logo de cara. Por falar no nosso protagonista, a função dele é a de nos representar dentro do filme.

Um tanto introvertido, mas ainda passional, as reações de Tom à medida que o relacionamento entre ele e Summer avança conseguem realizar um elo de identificação entre ele e o público que simplesmente carrega o filme, algo que acontece graças ao carisma e simpatia do talentoso Joseph Gordon-Levitt. Seja nas partes mais alegres ou (principalmente) nas mais melancólicas, muita gente vai se enxergar nos sapatos do escritor de cartões. Ora, quem não chorou, se deprimiu ou se embaraçou por conta do amor de outra pessoa?

Diretor de primeira viagem, Mark Webb abraça a premissa do filme em acompanhar não o casal, mas o contraste entre os sentimentos durante a relação. O recurso da narrativa não-linear foi aplicado justamente para nos fazer navegar de um modo mais interessante por esse verdadeiro mar revolto pelo qual Tom passa durante esses 500 dias. Em mãos menos sensíveis a isso, certamente esse projeto se tornaria apenas mais um na imensidão de comédias românticas por aí.

Webb lança mão de recursos visuais deveras interessantes para nos mostrar o interior do coração de Tom, como dividir a tela entre as expectativas e a realidade do protagonista em relação a uma situação e também “apaga” o mundo de Tom quando este aparentemente se vê no fundo do poço. Algumas cenas, que podem ser um tanto quanto “surreais” demais, como a musical ou o sonho de Tom, são relevantes para nos mostrar o estado de espírito do rapaz, com tais sequências citadas servindo até como contraponto uma para a outra.

Outro momento de destaque são os depoimentos de Tom em relação a certas características de Summer durante diferentes dias do relacionamento, mostrando como o ponto de vista de alguém em relação à outra pessoa pode mudar, dadas as circunstâncias. No entanto, Webb também escorrega em determinados pontos.

Dentre tais problemas temos a narração, que se mostra intrusiva por algumas vezes, simplesmente falando o óbvio em certos momentos. Já uma sequência na qual alguns personagens falam um pouco sobre o amor soa, se não totalmente inútil, deslocada em meio à narrativa. Tratam-se de pecadilhos que ocorrem durante o filme que, considerando a inexperiência do cineasta, são perfeitamente compreensíveis.

Mais um belo acerto do longa é a sua trilha sonora, que casa perfeitamente com a trama. Considerando que uma das coisas que aproxima Tom e Summer é o amor dos dois pela música pop, a trilha realmente teria de ser escolhida a dedo. A direção de arte e os figurinos do filme também estão de parabéns, nos ajudando a adentrar e acreditar no mundo daqueles indivíduos.
“500 Dias Com Ela” é sim um belo filme, assim como uma ótima terapia para os românticos sofrendo com corações partidos.
Nota: 9,0 (Denis Santos)

Eu vi !


O diretor Ridley Scott, do alto de suas sete décadas de existência, cinco delas dedicadas ao cinema, já deu inúmeras provas de que grandes filmes começam com grandes histórias. Desde “Alien, o Oitavo Passageiro”, de 1979, passando por “Blade Runner – O Caçador de Andróides”, até chegar àquele que foi reconhecidamente seu maior êxito, “Gladiador”, de 2000, o cineasta não se faz de rogado ao assumir a tarefa de filmar roteiros épicos.

Sua última aventura, “Robin Hood”, inaugurou a 63ª edição do Festival de Cannes e chegou aos cinemas comerciais no dia seguinte, com a promessa de salas de cinema lotadas e uma divulgação massiva na imprensa especializada. Ao lado de sua direção arrojada está um roteirista premiado e um time de atores competentes, que transmitem a sensação de que a lenda do ladrão inglês nunca foi tão bem adaptada.

O americano Brian Helgeland, vencedor do Oscar pelo roteiro adaptado de “Los Angeles – Cidade Proibida”, em 1998, recebeu de Scott a tarefa de melhorar a história do herói. Para o diretor, o filme deveria fugir da mesmice das adaptações anteriores e deixar de lado a fama do ladrão que “rouba dos ricos para dar aos pobres”.

Com o script em mãos, Scott deu vida aos acontecimentos que culminaram na criação do mito Robin Hood e a fama de benfeitor e justiceiro foi deixada para a sequência final, em uma espécie de epílogo. Se a opção do cineasta e o trabalho do roteirista causam certo estranhamento no início da exibição do filme, logo percebemos que a narrativa tornou-se mais realista e divertida.

O elenco de estrelas entra em cena e garante que a qualidade do longa vai continuar com nível elevado. Russel Crowe, como protagonista, apesar de aparentar certo cansaço e pouca habilidade com o manejo do arco e flecha, consegue cumprir bem seu papel de herói virtuoso e está, perceptivelmente, em perfeita sintonia com as ordens de Scott. Cate Blanchett vive Lady Marion, viúva de um dos membros do exército inglês, e como já era de se esperar, rouba a cena em todas as sequências da personagem. Sua atuação segura garante dinamismo ao papel que originalmente não receberia muito destaque na trama.

Se a personalidade e a importância de Lady Marion foram discretamente mascaradas para dar destaque ao potencial de Blanchett, Robin Hood passou por um processo de purificação que não convence o espectador e não combina com o ritmo ágil da produção. O ladrão é retratado como um homem cheio de virtudes e livre de qualquer falha ou desvio de caráter. A elevação de personagens a níveis que beiram o sublime, em detrimento da retratação de seus traços lascivos, é um recurso que, quase sempre, prejudica a qualidade final do produto. Com Robin Hood não é diferente.

Também incomoda a tentativa de tiranizar o exército francês e projetar as incontáveis qualidades dos guerreiros ingleses. O grupo inglês exibe técnicas cruéis, armamentos curiosos e espalha tanto sangue quanto os inimigos franceses. Seus guerreiros, porém, são retratados como justos e movidos por uma causa maior, enquanto os inimigos são trapaceiros, vis e sem escrúpulos.

Apesar dos exageros na caracterização dos personagens, a agilidade do filme não permite que tais observações atrapalhem a narrativa e Scott sabe como ninguém conduzir uma história sangrenta. As sequências de batalhas são belamente filmadas e os planos profundos, com milhares de guerreiros, cavalos e barcos de guerra, impressionam. Todas as características técnicas de “Robin Hood” podem ser encontradas em “Gladiador”, e o que diferencia as duas produções é a falta de carga dramática e preferência pela velocidade do novo filme. Aqui, não há tempo para emoções de corações destruídos.

A importância de “Robin Hood” provavelmente não vai tomar o posto ocupado por “Gladiador” na filmografia de Scott, mas serviu para reafirmar a capacidade de realizar um bom filme, mesmo com uma história amplamente conhecida e trabalho técnico retirado de uma produção anterior, sem traços notáveis de inovação.
Nota: 7,0 (Denis Santos)

Eu vi !


Depois de renascer das cinzas com a primeira aventura do Vingador Dourado, Robert Downey Jr. se mostra ainda mais a vontade neste “Homem de Ferro 2”. No entanto, não vá aos cinemas esperando um filme de ação contínua. A fita, comandada por Jon Favreau e roteirizada por Justin Theroux (“Trovão Tropical”), se apóia mais nos seus personagens do que na pirotecnia, fazendo de Tony Stark (Downey) o seu maior atrativo.

Seis meses se passaram desde que Stark revelou ao mundo que é o Homem de Ferro e o magnata simplesmente revolucionou o mundo, seja por meio dos seus avanços tecnológicos ou por suas ações como o herói blindado. No entanto, seu corpo está sendo envenenado pelo próprio dispositivo que o vinha mantendo vivo desde a fita passada, com sua morte iminente levando-o a cometer uma série de erros de julgamento (ou atos de irresponsabilidade).

Enquanto os relacionamentos de Tony com sua “amada” Pepper Potts (Gwyneth Paltrow) e com seu melhor amigo Jim Rhodes (Don Cheadle) começam a se desgastar por conta de suas atitudes, novos adversários surgem para o Homem de Ferro, como o cientista russo Ivan Vanko (Mickey Rourke), determinado a acabar com a família Stark por ações cometidas pelo pai do herói no passado, e o incompetente industrial armamentista Justin Hammer (Sam Rockwell), cujo objetivo é derrubar seu competidor industrial do mercado, aproveitando a relação delicada de seu adversário com o Governo dos EUA.
Para lidar com essas novas ameaças, Stark contará com a ajuda da S.H.I.E.L.D., agência de espionagem, chefiada pelo misterioso Nick Fury (Samuel L. Jackson), que cuida de situações “especiais” no universo do filme.

Sim, “Homem de Ferro 2” possui várias tramas e intrincados relacionamentos. No entanto, o texto de Theroux cuida de todos eles de uma maneira bastante coesa e orgânica, sem falar de divertida. Aliás, a palavra-chave do filme é “diversão”. Mesmo nos momentos mais sérios, o próprio Tony Stark nos relembra de que ele é alguém com planos, mesmo que estes sejam falhos e levem a ações potencialmente desastrosas e embaraçosas.

O único meio que Stark tem para demonstrar que possui as coisas sobre o seu comando é com a arrogância que ele exala, ainda que em momentos mais privados ele se mostre até mesmo amedrontado com as consequências de seus atos. Em dada cena, ao se encarar em um espelho, o próprio Tony se pergunta, consternado, se ele possui mais alguma ideia ruim.

É essa complexidade do homem por trás da máscara dourada do Homem de Ferro que faz este segundo longa ser tão eficiente. Downey Jr. compreende isso e eu duvido que qualquer outro ator conseguisse fazer de Tony Stark um personagem tão humano e simpático assim.

Se nós não nos sentimos tão traídos e abandonados por ele como Pepper e Rhodes se sentem em dado ponto do filme é porque o ator nos faz enxergar os dilemas pelos quais Tony passa. Sim, rimos de sua prepotência e das suas loucuras, mas entendemos as motivações por trás delas.

Desse modo, o Homem de Ferro surge por conta de Stark e não apesar dele. O público não fica ansiando pela próxima cena de ação estrelada pela armadura, mas quando elas surgem o fazem de maneira orgânica, requisitada pela história, algo que pode desapontar os fãs da escola Michael Bay de cinema, mas que funciona de maneira quase perfeita dentro do filme, com a exceção de uma pequena “barriga” na narrativa durante o segundo ato.

Os demais personagens surgem por conta da própria história. É interessante notar que os dois vilões do filme, Vanko e Hammer, são contrapartes distorcidas do próprio Stark, quase que como reflexos de suas duas facetas, algo colocado pelo filme e não esfregado na cara do público. Não é à toa que a primeira aparição do personagem de Mickey Rourke lembra e muito uma das cenas do primeiro “Homem de Ferro”.

Além disso, a química entre Rourke e Rockwell é ótima, resultando em momentos engraçadíssimos dentro da história. Mesmo com o personagem de Rourke possuindo uma motivação essencialmente dramática, jamais ele deixa com que Vanko se torne uma criatura excessivamente sombria, algo que destoaria da proposta do filme.

Don Cheadle substitui com competência Terrence Howard como Rhodes, embora tenha faltado um pouco mais de intensidade em sua interpretação, até por conta do próprio arco que o militar passa no filme. Gwyneth Paltrow faz apenas o arroz com feijão como Pepper Potts, sendo eclipsada totalmente pela Natalie vivida por Scarlett Johansson, uma secretária com um segredo em sua ficha. Jon Favreau também participa do filme como ator, vivendo o segurança/motorista de Stark, Happy Hogan, aparecendo muito bem no filme, aliás.

Samuel L. Jackson e Clark Gregg, como os agentes da S.H.I.E.L.D. Nick Fury e Phil Coulson, nos lembram de que “Homem de Ferro 2” é parte de um universo completo e não de uma série comum. Jackson se diverte vivendo o personagem caolho, nos mostrando em pouco tempo de cena que Fury é mais perigoso – e importante – do que se pode imaginar. Já Gregg participa de duas cenas vitais para os próximos filmes da Marvel Studios (uma delas após os créditos da produção, por isso não saia da sala ao subir das letrinhas brancas!).

A direção de Favreau, como já mencionei, é mais voltada para os personagens do que na ação. As cenas pirotécnicas são poucas, mas eficientes, com destaque para o ótimo confronto do Homem de Ferro com Ivan Vanko em Mônaco. Devo ressaltar que, mais uma vez, o cineasta não soube como finalizar o filme em uma nota alta, com o conflito de Stark e Rhodes com o vilão simplesmente acabando e não sendo concluído. Enfim, uma falha pequena em meio a tantos acertos.

Com o seu “Eu sou o Homem de Ferro” no final do longa original, Tony Stark criou um novo tipo de celebridade no planeta: os super-heróis, algo que ficou bem explícito no filme e que o coloca em uma categoria bem diferentes de películas mais sérias como “Batman – O Cavaleiro das Trevas”. Esta continuação pode até não superar o seu predecessor, se mostrando no mesmo nível, mas apresentando novos e interessantes desafios para o seu protagonista, bem como sendo a pedra fundamental no surgimento de um novo tipo de franquia. Recomendado.
Nota: 9,0 (Denis Santos)

terça-feira, 18 de maio de 2010

Eu vi !


Alice no País das Maravilhas só não é o grande filme que muitos gostariam porque o diretor Tim Burton nunca foi muito bom em narrar histórias. Seus filmes em geral têm roteiros ruins e a ação não é seu forte, mesmo que algumas obras, como Edward Mãos de Tesoura, as tramas sejam muito belas. Ao contar a superconhecida história de Alice, as cenas de ação não funcionam e o final, com Alice tendo de matar um monstro gigantesco, Jabberwocky, simplesmente não convence - mas, sinceramente, quem se importa?

Fora isso, é o que há de melhor neste que sem dúvida é um dos grandes diretores americanos da atualidade. Sua adaptação por vezes é genial, com os dois universos, o de Lewis Carroll e o de Tim Burton, unindo-se de maneira quase perfeita. Só não vá esperando os maneirismos, as facilidades, os reducionismos e os clichês de um James Cameron em Avatar ou mesmo o gótico anódino e asséptico da Hogwarts de Harry Potter. A Wonderland de Tim Burton não é aprazível nem foi feita para agradar. Alice dificilmente encontrará lá um ambiente idílico e propício para a fuga : seus melhores amigos são seres para lá de bizarros, na maioria das vezes viciados. Caberá a Burton humanizá-los, e essa é uma das melhores coisas do filme.

Helena Boham Carter e o gato de Alice, Cheshire, são os maiores destaques. No caso do gato, é o melhor que o 3D trouxe ao filme. Tim Burton, desconfiado da nova tecnologia, não quis filmar com as famosas câmeras 3D de Avatar e Os Fantasmas de Scrooge (de Robert Zemeckis). Fez tudo no tradicional e depois convertou o resultado final. Talvez por isso por vezes a tecnologia atrapalha mais do que ajuda na narrativa e em muitos casos, bastante óbvia, incomoda. Nesse caso, a imersão de Avatar faz mais sentido: o 3D, pelo menos por enquanto, funciona melhor em filmes que envolvam lutas, explosões, guerras – o chamado "cinema físico", mas pode ser um insuperável instrumento nas mãos de um artista como Burton, e seu gato de Cheshire é a melhor prova disso.

Na adaptação, feita por Linda Woolverton, roteirista de A Bela e a Fera e O Rei Leão, a maior mudança é a idade da protagonista, agora com 19 anos. É um dos grandes acertos do filme, pois o livro é visto por muitos como cheio de insinuações à pedofilia (Lewis Carroll era fotógrafo e adorava registrar garotinhas). Esse tipo de peso poderia arruinar a obra. No resto, Tim Burton não mexeu e as muitas insinuações aos alucinógenos estão presentes, seja no fumacê que Absolum, a larva azul sábia (voz de Alan Rickman), solta sem parar, seja nas poções e chás esquisitissímos tomados pelos personagens.

Helena Boham Carter, com sua cabeçona (interpretava sempre para uma câmera especial para deformar sua figura), tem o melhor da animação, da computação gráfica e dos efeitos especiais em si e ao seu lado. Tim Burton, seu marido, com quem tem dois filhos, utilizou vários processos de animação, mesmo com massinha, para compor a aberrante corte da Rainha (mistura da Rainha de Copas, de As Aventuras de Alice nos País das Maravilhas, e a Rainha Vermelha, de Alice Através do Espelho, a continuação do primeiro livro – em ambos é baseada a história). Como Burton é um especialista na área, o resultado é por vezes avalassador.

Burton disse ter visto mais de 60 versões, entre filmes, seriados ou quadrinhos, de Alice nos seus 55 anos de vida. Reclama que a maioria não funcionou justamente por serem muito apegadas ao original e muito "literárias". Preferiu propositalmente apegar-se aos personagens e dar-lhes sua visão pessoal. Pode ser que a fraqueza do filme esteja aqui, ao não focar na narrativa, mas é com certeza um de seus pontos fortes também: a maneira como Burton apresenta todos, sempre compreensivo e interessado, mostrando as bizarrices sem nenhum constrangimento, como os mortos de A Noiva Cadáver, perfeitamente bem no que restou de suas peles. E Johnny Depp funciona, com seu misto de ternura e loucura, nesse processo de humanização.

Burton prefere os diferentes. Injeta neles uma carga de humanidade que os tira dos estereótipos. Neste Alice in Wonderland, dá contornos impensáveis seja até mesmo para a imaculada Rainha Branca (Anne Hathaway). Seus monstros têm coração, seus loucos, lucidez. Se a Rainha Vermelha é má é porque sofre de solidão e pelo fato de negar sua condição física. Os outros personagens não têm esse tipo de problema – riem de si próprios e suas limitações.

Como já notou parte da crítica, de todos os personagens, justamente Alice é que teve o desenvolvimento menos satisfatório. Em pânico por ter de se casar, Alice foge e mais uma vez cai na toca do coelho. Durante sua estadia em Wonderland (ou Underland), vai aprender conhecer a si própria, adquirir auto-confiança e enfim poder voltar à vida real preparada para o que a espera. É meio decepcionante sim, mas nunca simplista, pois Tim Burton se encarregou de fazer a transição com gentileza. Mas não é o melhor do filme, que está espalhada, seja na hipnótica direção de arte, seja na multidão de pequenos detalhes que tanto enriquecem seus filmes. O melhor de Tim Burton está nos detalhes.

Nota: 7,0 (Denis Santos)

Livro - A menina que brincava com fogo


O segundo volume da trilogia Millennium tem como fio condutor a personalidade complexa e os segredos ocultos de Lisbeth Salander, a jovem e destemida hacker que agora é acusada de três assassinatos brutais.

“Não há inocentes. Apenas diferentes graus de responsabilidade”, raciocina Lisbeth Salander, protagonista de A menina que brincava com fogo, de Stieg Larsson. O autor — um jornalista sueco especializado em desmascarar organizações de extrema direita em seu país — morreu sem presenciar o sucesso de sua premiada saga policial, que já vendeu mais de 10 milhões de exemplares no mundo.Nada é o que parece ser nas histórias de Larsson. A própria Lisbeth parece uma garota frágil, mas é uma mulher determinada, ardilosa, perita tanto nas artimanhas da ciberpirataria quanto nas táticas do pugilismo, e sabe atacar com precisão quando se vê acuada. Mikael Blomkvist pode parecer apenas um jornalista em busca de um furo, mas no fundo é um investigador obstinado em desenterrar os crimes obscuros da sociedade sueca, sejam os cometidos por repórteres sensacionalistas, sejam os praticados por magistrados corruptos ou ainda aqueles perpetrados por lobos em pele de cordeiro. Um destes, o tutor de Lisbeth, foi morto a tiros. Na mesma noite, contudo, dois cordeiros também foram assassinados: um jornalista e uma criminologista que estavam prestes a denunciar uma rede de tráfico de mulheres. A arma usada nos crimes — um Colt 45 Magnum — não só foi a mesma como nela foram encontradas as impressões digitais de Lisbeth. Procurada por triplo homicídio, a moça desaparece. Mikael sabe que ela está apenas esperando o momento certo para provar que não é culpada e fazer justiça a seu modo. Mas ele também sabe que precisa encontrá-la o mais rápido possível, pois mesmo uma jovem tão talentosa pode deparar-se com inimigos muito mais formidáveis — e que, se a polícia ou os bandidos a acharem primeiro, o resultado pode ser funesto, para ambos os lados.A menina que brincava com fogo segue as regras clássicas dos melhores thrillers, aplicando-as a elementos contemporâneos, como as novas tecnologias e os ícones da cultura pop. O resultado é um romance ao mesmo tempo movimentado e sangrento, intrigante e impossível de ser deixado de lado.
Nota: 10 (Denis Santos)

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